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Aterrissei em Manaus, a capital do estado do Amazonas, o coração do mundo, o centro da Terra, seis horas antes parti de São Paulo no primeiro voo – horas trancado no avião.
Desce, pega as malas, chama o táxi e pronto lá vem o primeiro baque, as portas do saguão do Eduardo Gomes se abrem e o calor da terra me recebe – é uma experiência inacreditável para quem chega do sudeste – ouvi dizer que muitos passam mal ali mesmo. Eu gosto. Este calor vai nos acompanhar todo o tempo que estivermos aqui.
– Para onde? Que hotel o senhor está?
– Hotel? Que hotel que nada, toca para o centro!
O motorista não sabe, mas descerei no caminho. Acontece que tem um restaurante bem típico, na Av. Torquato Tapajós, na beira da avenida, simples de tudo… Adivinha, sempre faço isto, é a primeira coisa quando venho a Manaus – comer peixe. Arroz, um pouco de salada (Cuidado com o coentro Paulista!) farinha de bola e peixe a vontade. Já chego pedindo: quero Jaraqui (minha esperança), mas não dispenso um bom pedaço de Tambaqui e de Pirarucu também.
Satisfeito o desejo da carne, quer dizer, de peixes, vou encontrar com o caboclo Jorge Vasquez – ele vai me levar para conhecer o Curupira. Meu coração até bate mais forte, meio inquieto, sem medo, mas excitado com as possibilidades, um pouco incrédulo também, confesso.
Estar com Jorge Vasques é estar perto das histórias.
“O Curupira é uma lenda muito antiga. Quando os Portugueses chegaram no Brasil ela já existia entre os nativos. Para os indígenas o Curupira é um ser fascinante, pequeno, coberto de pelos, olhos vermelhos, unhas azuis e pés virados para trás. Tente imaginar, surreal, mas veja, o que realmente importa é que ele protege a floresta e todos os animais que nela vivem.” me contou.
Marquei com Vasques no mercado da PANAIR, que é como o povo chama o local, o lugar é muito interessante e tem um histórico importante para o próprio Vasques e sua família. É fantástico um mercado livre, é como se fosse uma feira coberta, muitas verduras, frutas locais, peixes, carnes, temperos, é um supermercado só quase tudo está sem embalagem – sonho de quem pratica Lixo Zero.
Aliás, falando em frutas, existem milhares de frutas no Norte do Brasil: açaí, bacuri, camu-camu, cupuaçu, guaraná, murici, taperebá, tucumã do Amazonas, tucumã do Pará, não sei todos os nomes de tantas que são, muita riqueza, incríveis sabores exóticos, muita vitamina, maravilha que mais gente precisa conhecer. Frutas criollas que trazem tudo de bom da mata tem dentro de si.
Depois de perambular um pouco pelo mercado e comer mais um peixinho, assado ali mesmo, e do sorvete de cupuaçu, nos encaminhamos para o barco. À nossa frente, logo atrás do mercado, o majestoso Rio Negro.passa, é tão grande você não vê a margem do outro lado, Manaus é uma cidade portuária, grandes navios chegam e saem de Manaus diariamente, sempre pelo Rio Negro, vindos do mar pelo Rio Amazonas.
Subimos no Barco e partimos. O barco estava a caminho de Novo Airão, mas antes de subir o Rio descemos um pouco, como quem vai para Itacoatiara. Vasquez planejou uma visita rápida a um dos pontos turísticos e cartão postal de Manaus, fiquei grato. Fomos ver o espetáculo do Encontro das Águas – é onde o Rio Negro, depois de passar pelo centro de Manaus, pelo porto, se encontra com o Rio Solimões, os dois rios correm lado a lado e por vários quilômetros, as águas não se misturam. Quem visita a região não pode deixar de ver, é maravilhoso. Para nós brasileiros é neste ponto que nasce o Rio Amazonas – Solimões e Negro se juntam aos poucos, “num balé esquisito”, e assim nasce o Rio Mar – Rio Amazonas.
Meia volta no barco, passamos outra vez pelo porto e pelo centro, a nossa direita vejo a placa Bem-Vindos a Manaus, postada na margem do Rio para receber os viajantes. O porto de Manaus é muito movimentado. Pessoas das cidades mais afastadas vem para cá para comprar mantimentos e para vender seus produtos também. Muito bonito e importante. Passamos Ponta Negra, o famoso hotel Tropical e seguimos subindo o rio. Por mais de uma hora subindo em direção a Novo Airão.
No meio do caminho desembarcamos. O lugar, uma pequena vila de caboclos, lá a índia Yuhupdeh, Myiara, nos levou para dentro da mata. Os Yuhupdehs vivem no Noroeste Amazônico e são conhecedores dos caminhos da mata, sabem caçar muito bem e fazer venenos com as ervas da floresta.
Myiara já sabia a razão da nossa vinda. “Vamos ter cuidado! Apesar de pequeno, não brinque com ele”, me avisa Vasquez. “Ai daquele que matar ou tentar caçar animais pequenos e fêmeas, ou derrubar árvores, ou judiar das plantas. Curupira defende a floresta e todos os animais!” avisou Myiara. “Cada vez gosto mais desse tal de Curupira.” pensei comigo.
– Para nós não faz sentido ficar a juntando, guardar muito significa estragar, melhor viver um dia de cada vez. Mais para o homem da cidade juntar é criar riqueza. Nós não entendemos essa riqueza, riqueza que destrói a natureza para nós é pobreza.
O Curupira protege os índios também, os índio são parte da natureza. Quando Curupira vê que alguém está fazendo algo de ruim – pode ser um índio ou gente da cidade, não importa – fica revoltado, muito bravo e até perigoso. Só que o coração do Curupira é bom, normalmente o que ele faz é perseguir as pessoas, gritar e assobiar – gritos horrendos – para que elas fiquem horrorizadas e corram.
Curupira tem o assobio fortíssimo, estridente e ensurdecedor que deixa a cabeça da pessoa confusa. Myiara continuou: A pessoa foge de medo, vai embora do lugar e pára de fazer coisa errada na floresta, nossa mãe natureza, pára na hora. É assim que o Curupira protege.
– Percebeu Carlos? Ele tem tanto amor pela vida que não fere nem mesmo a quem a agride. Vasquez me chamou a atenção.
– E cadê o Curupira, vim aqui para ver. Disse eu, ansioso pelo encontro.
Myiara responde com toda a calma do mundo. “Povo da cidade demora a perceber, por isto se perde fácil.” Ela riu, uma risada alegre, um pouco debochada e emendou: Curupira está aqui. Quando estamos em harmonia com a mata ele está no ar, nas flores, nas árvores, nos animais, no rio, no igarapé, no banho, na praia, nas araras voando lá no alto. Silencie sua mente, respire fundo, sinta-se parte da floresta, você é parte da floresta aqui e agora.
Então vi. Ou melhor o senti, senti como se alguma coisa passasse por mim muito rápido, um vento, não sei, mas parece que alguém encostou em mim.
Comecei a sentir o cheiro, o cheiro bom da floresta e então me dei conta de que estava lá mesmo. Myiara tinha razão, ele estava em tudo e em todos.
Harmonia da floresta era Curupira, meu coração se encheu de alegria ao perceber a verdade da Natureza, o carinho, o amor pela vida. Eu vi o Curupira e aquela verdade tomou conta do meu coração.
Compostar
Já tinha sentido isto um pouquinho. Foi qdo há alguns anos resolvi montar uma composteira no meu apartamento. Parece estranho, mas é. Reuni três baldes de óleo de cozinhar – com tampa – que consegui em um restaurante e montei a composteira, tem vários vídeos mostrando como fazer no YouTube. O importante é o que a compoteira faz conosco. Nela colocamos todos os resíduos orgânicos da casa, restos de frutas, verduras, folhas, cascas de ovos, pó de café, chá… E também colocamos minhocas e serragem, ou folhas secas, para cobrir o material que vai se decompor. As minhocas se encarregam da mágica, tudo aquilo vira humos que é um adubo excelente para colocarmos nos vasos e plantas de casa ou da rua da nossa casa. O que iria virar lixo, se transforma em fonte de vida. Faz tempo que digo aos amigos que é bom compostar, que é um prazer, mas só agora com este encontro com o Curupira percebi que minha compoteira me dá um pouco desta mesma sensação que tive. Entendi, ela me leva para dentro da Floresta, para perto da mãe Natureza.
Amigos da Flores
Vasco Vasques, filho de um diplomata espanhol que chegou ao Brasil, em Belém do Pará, nos anos 40. Nasceu, no norte do Brasil e no norte ficou toda sua vida, foi o papai do meu amigo Jorge Vasques e mais dois irmãos. Jorge Vasques como o pai tem pelo Amazonas um amor que transborda pelos poros, dá pra ver nos olhos a alegria de falar, mostrar e proteger as coisas lindas da Amazônia. Tive muita sorte de conhecê-lo logo da primeira vez que vim a Manaus. O Amazonas faz isto com a gente, dá vontade de falar, de pertencer. É beleza e vida em abundância para todos os lados.
Por causa do Vasques, além das viagens pela empresa, tive a oportunidade de ir para Manaus duas outras vezes participar da Feira Internacional da Amazônia (FIAM) na época ele trabalhava na Suframa e foi um dos responsáveis pela evento. Na feira eu vi e como jornalista tive a oportunidade de mostrar toda a pujança da indústria manauense, em especial o PIM. Mas agora é diferente, agora vim conhecer o centro do mundo a floresta e seus seres fantásticos.
O sol entrava pelas frestas da cabana que Myiara conseguiu para passarmos a noite, finalmente consegui dormir na rede, é difícil para quem não tem o costume, mas afinal aprendi. Isto é importante porque a rede é o jeito mais fácil de você se acomodar na mata, numa cabana ou em um gaiola. Ainda me lembro da primeira viagem que fiz de Manaus até Parintins em um gaiola enorme, lotado de gente e cargas… todos viajávamos deitados, cada um na sua rede, mas quem diz que preguei os olhos, que nada, dei uns cochilos, durante as 18 horas da viagem, passei a maior parte dela acordado dando voltas da rede. Foi bom porque tirei muitas fotos e vi muita coisa.
Amanhã iremos ao Ariaú Towers, vou encontrar o senhor Rita, proprietário do hotel.
(em breve continua…)
Imagem ilustrativa do curupira pertencente a www.elo7.com.br